Então, e como sempre, era só depois de desistir das coisas desejadas que elas aconteciam.*


Rio de Janeiro, Largo da Carioca

Três degraus inamovíveis de granítico puído esplendor em Copacabana, eram penhasco ermo silencioso, interior cansado da cidade que passa.
Interrogava-me o porteiro (o Rio é uma cidade de guardas erguidas, muralhas de alumínio tosco atravessadas, ferro pesado sobre as portas que se fecham à rua) se esperaria alguém.
Não espero ninguém, talvez que a chuva passe (talvez que alguém me chame;
e a morte poderá acontecer sem que nunca tenhamos ouvido o nosso nome ou podemos morrer no ruído branco com que o mundo nos chama).





O que é de difícil explicação é que tipo de loucura levou um punhado de homens a erguer uma cidade no meio de uma geografia hostil, ocupada por uma natureza adversa que, com cinco séculos de ocupação humana, resultou num caos surpreendente. Ruas que se espalham por entre os morros, morros que conduzem as ruas à cadência da topografia imprevisível e que guia a mão humana.
É discutível a beleza do que foi feito no séc. XX. Copacabana, Ipanema, Leblon, compõem-se em pedaços de arquitectura pobres, feias e gastas, com algumas excepções de algum cliente mais ilustrado. Mas o melting pot não é Nova Iorque, é Ipanema: a promiscuidade ao contrário do guehto da América rica; a mistura de todas as feições humanas à razão irrazoável do desejo e do amor; um escândalo democrático.

A promiscuidade é também arquitectura. As favelas dos morros que descem ao asfalto sem princípio nem fim, a natureza livre e indomável por toda parte, a liberdade de poder não ser coerente e construir um paralelepípedo de vidro esverdeado sobre uma frente de rua do tempo colonial. A incoerência e a ordem do possível são as possibilidades de uma liberdade essencial: aqui ainda é possível. Por pouco tempo.

É tudo tão feio, é tudo tão bonito.




*Clarice Lispector