novo mundo#2

[Elevador liga a favela ao asfalto, Rua Barão da Torre, Ipanema, Rio de Janeiro]

Enquanto aqui embaixo a indefinição é o regime
E dançamos com uma graça cujo segredo
Nem eu mesmo sei
Entre a delícia e a desgraça
Entre o monstruoso e o sublime

[Americanos, Caetano Veloso, 1992]


Uma das hipóteses que coloco após a semana de «guerra» que o Rio de Janeiro viveu, é a da ineficácia da arquitectura em instruir respostas às formas de espaço e território e paisagem e sociedade que se ergueram fora do alcance da disciplina. Estas, obliteradas pelo cânone escolar, académico, científico, teórico e prático, (que adquiriu contornos de esquizofreniacom a actualização ao segundo via web), quero dizer, a falta de adesão da arquitectura à realidade. E a esta questão, algures uma académica me respondeu com Koolhaas, o espaço fluído por ele teorizado, fora do alcance do que os modernistas poderiam ter pensado, e a cidade espontânea e genérica, por exemplo.
Naturalmente que esta resposta não satisfaz. Talvez estes modelos sirvam ao desiderato contemporâneo da originalidade e novidade. E a citação a Koolhaas fará até sentido a partir do ponto de vista de quem afere o mundo pela capacidade de consumo de cada indivíduo, et pour cause, uma resposta conhecedora da mecânica da sociedade hiper-mediatizada e que daí extrai as vantagens à sua própria divulgação. Mas as dúvidas maiores sugerem-me se tais respostas sirvam, de facto, à avassaladora condição urbana planetária. Como se a arquitectura, por medo ou arrogância, entrincheirada na academia e em premissas obsoletas, se esquecesse do seu original propósito: construir um belo abrigo para o Homem.
E nesta hipótese de demissão da arquitectura, a partir da experiência do Rio de Janeiro em semana de «guerra», repito (e o termo é equívoco, claro), reconhece-se uma ténue luz que decorre directamente da política. Aquilo que a disciplina se recusa a pensar, a política, via Beltrame, tenta propor: respostas integradas, ainda que frágeis, a uma cidade livre, em que todo o cidadão o é por direito democrático e com todos os direitos de dignidade consequentes.

Talvez fosse uma ideia a arquitectura desaprender para voltar a aprender, citando Clarice. Esquecer os padrões do bom gosto que originam casas iguais na 5ª Av., no Boulevard de Saint Germain, em Belgravia, no Leblon ou na Quinta Patiño. Erradicar o preconceito escolástico que reduz à indigência o que é inventado pelo vigor e vontade de quem é excluído das baias do bom gosto educado e que conduz a arquitectura ao ensimesmamento e que reduz à condição, pobre, de objecto aquilo que vai, esquizofrenicamente, produzindo.