ipanema do mundo




A minha interferência nas composições alegóricas se conduz às vezes premeditadamente, às vezes consoante às oferecidas circunstâncias. Exercito-me em variáveis ocasiões, solícito em captar as oportunas e já quase expostas alegorias; em alguns painéis faltando apenas que eu me desloque de um lugar a outro, que o meu olhar introduza ou dispense mais um elemento disponível. Portanto, invisto-me no papel de existenciador que se obstina em tornar, no mínimo, frequente, a liberdade da cenografia externa no tocante à criatividade minha, que as envolve. A vida ocular é um passeio aliciante, no decurso do qual, à proporção que existencio o elenco dos atores, de imediato, se a situação o permite, lhe inoculo a significação que têm em minha incomensurável peça. Em muitos ensejos, demoro-me a assimilar o espontâneo do desempenho, mas ressalto que os intérpretes foram nascidos para o advento na existencialidade que lhes propicio, em mim, comigo. Tais efígies, em retábulos que confessam a minha ótica, as registrei ao longo dos livros sobre a ordem fisionômica, designando-os por meio de simples letras, o que expressa, antes de tudo, o significado de havê-las na condição de atores em anonimato, isto é, de vultos em trânsito para o perdimento; anoto-as possuídas da destinação de se extinguirem em mim, comigo, o que representa a extinção absoluta. Facilitada pelo movimento e pela temporalidade – os mais prestimosos auxiliares na elaboração de alegorias – facilitada por agentes tão solícitos, a minha lente mais se vê unificada, em solidão infalível, com as respostas das presenças em relação à ausência a que se dirigem em mim, comigo.


[A Artisticidade do Ser, Evaldo Coutinho, 1987]