a beleza que existe*



Flanar por Ipanema é um exercício contraditório: à contemplação do desastre arquitectónico – isole-se cada edifíco, objecto, e ter-se-á uma ideia aproximada do que possa ser o provincianismo em arquitectura - à excepção de um ou outro, escassíssimos, exemplares dos gloriosos anos do modernismo desenvolvimentista á la JK.
Pese embora o conjunto sugerir a imagem de uma cidade cosmopolita (e icónica), o cosmopolitismo deste bairro reveste-se de outro carácter que não o do construído. E inscreve-se no corpo de quem passa.
A canção não canta um mito. Celebra a realidade. As belezas naturais excedem largamente as que descreve Jean de Léry no seu relato de 1578. E já não falamos da envergadura granítica dos morros que se erguem a cada direcção do olhar, nem do exuberante coberto vegetal.

E por paradoxo, o Rio de Janeiro jamais será uma cidade feminina. O paradoxo carioca reside numa querela tumultuosa entre aquilo que Le Corbusier acusou em Niemeyer e no seu desenho arquitectónico – a curva sensual elegante e feminina, vertida da geografia, do skyline – e o carácter vigoroso da rocha granítica que sustenta a curva do céu.
E tudo se erotiza. A começar pelo discurso.


*Tom Jobim, Vinicius de Moraes