[Moradia Unifamiliar, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa, Porto de Carne, 1983]
E talvez seja essa a fábula mais auto-satisfatória que os arquitectos foram produzindo a partir da modernidade: que a arquitectura é hiper-presente no quotidiano dos indivíduos e por isso a arquitectura é inescapável a qualquer um dos indivíduos. E por isso é, a arquitectura, uma «arte» social.
Recuando uns passos sobre esta fenda narcísica que ofusca os arquitectos até à fantasia, a consequente tentação da imposição de um gosto, repara-se que o gosto, é uma orientação quase pública quase política a que os arquitectos se socorrem a partir do domínio técnico da disciplina. O gosto como equívoca pedagogia das massas.
Penso no espaço público, o espaço, também, da representação social, e observa-se naturalmente que essa representação deixa de ser democrática para ser exclusiva das classes economicamente dominantes. Ao invés de ser inclusivo, como pretenderá uma arquitectura verdadeiramente democrática, o espaço público torna-se refém de uma da luta de classes, de uma luta de gosto. Ou antes o campo de batalha da luta de classes mediada pela orientação e dominância do gosto. E esta verificação pode ser brutal para o discurso disciplinar corrente que outorga aos arquitectos a necessidade da «qualificação» do espaço público.
O problema do mercado, mesmo num discurso liberal old fashion como este que vos fala, é a fatal incapacidade da inclusão de quem não pode, por exclusão económica, evoluir para a condição de promotor. E falo de moradias unifamiliares, por exemplo, e não necessariamente dos condomínios design que o mercado agora, em moda, propõe.
E a casa do emigrante, por exemplo. Que no ensaio de Graça Dias em subtexto sugere contraproposta à elite disciplinar (e urbana), e ao seu gosto. Um estudo de caso para o acto do projecto: o interpretar das auto-representações dos clientes/promotores; o entendimento de que o legado social da arquitectura é-o necessariamente, e numa democracia, a partir dessa auto-representação do cliente/promotor. E o paradoxo é agora este: como não tornar pernicioso esse gosto, legítimo, como articulá-lo na teia de relações que devém do espaço público urbano ou rural?
Sendo a arquitectura uma construção hostil, por via dos seus próprios meios de se tornar visível, cabe ao arquitecto, no projecto, o entendimento desta violência por inclusão ou ruptura? É já um assunto político. E naturalmente estético.
com a devida vénia ao Daniel