Corona


À minha mão vem o Outono comer as suas folhas: somos amigos.
Descansamos o tempo das nozes e ensinamo-lo a partir:
o tempo retorna à casa.

No espelho é domingo,
no sonho dorme-se,
a boca diz a verdade.

O meu olho desce até ao sexo da amada:
olhamo-nos,
dizemo-nos algo sombrio,
amamo-nos como papoila e memória,
dormimos como vinho nas conchas,
como o mar no jorro-sangue da Lua.

Estamos abraçados à janela, vêem-nos da rua:
chegou a altura de se saber!
Chegou a altura de a pedra se dignar em florir,
de o coração do desassossego começar a bater.
Chegou a altura de ser altura.

Chegou a altura.


[Corona | Paul Celan / Trad. Gilda Lopes Encarnação + Sede EDP, Aires Mateus & Associados, Lda., 2014]