De teus anos colhendo doce fruito

Há que admitir que, se o coração tem razões que a razão desconhece, é porque a razão é menos razoável do que o coração. Somos todos narcisos, sem dúvida, amando e detestando a própria imagem, mas para quem tudo o resto é indiferente. É esse instinto de semelhança que nos guia na vida, gritando-nos «alto!», perante uma paisagem, uma mulher, um poema. Podemos até admirar outras pessoas, mas sem sentirmos a mesma emoção. O instinto de semelhança é a única linha de conduta que não é artificial. Mas, na sociedade, só os espíritos vulgares darão a impressão de nunca pecar contra a moral, perseguindo sempre o mesmo tipo de pessoas. É assim que certos homens se tornam obstinados por «louras», ignorando que normalmente as semelhanças mais profundas são as mais secretas.

O Diabo no Corpo | Raymond Radiguet / 1923