era vulgaris

[Anunciação, Fra Angélico, 1438/1445]






 [The Passage of the Angel to the Virgin, Richard Hamilton, 2012]






Não tanto a vulgaridade – não surpreendente num dos pais da pop – mas o abundante anacronismo. A citação vale para que possamos dizer o que sozinhos não conseguiríamos nomear. Convocamos mestres, apelamos ao passado, ao outro, pedimos que nos ensinem, que nos ofereçam algum apoio e suporte, que alumiem o que não alcançamos deslumbrar. A citação possibilita a abertura ao inesperado, ao heterogéneo, a uma verdade outra para além da contingência existencial.
A sombra, a obscuridade, a meia-luz, é a própria estrutura da realidade, a condição primeira da existência. E por isso é necessária a solidariedade. Com o passado, com o futuro, com o mundo, com o outro. A abertura como desinstalação das pífias certezas que nos tolhem – no tempo em que a arte tende a tudo instalar. A interpelação e a incerteza como princípio da construção – no tempo em que o pensamento tende a tudo desconstruir.
Mas remissão permanente ao outro e a solicitação incessante do passado podem significar o fechamento do olhar. O encerramento do homem sobre si mesmo.
Se a incerteza pode ser princípio e a dúvida caminho, a tibieza e a insegurança não serão mais que manifestações da trajectória aleatória e eventual com que hoje colidimos uns com os outros, com que desprezamos o passado, com que chocamos com o futuro. Manifestação do medo e do carácter vazio e desprovido de sentido – sentido que a contingência não pode assegurar – de todas as certezas (desfeitas) a que o homem (moderno) se abandonou.

Abertura também à transcendência: abolindo a transcendência abole-se uma possibilidade maior de abertura. Remetemo-nos à solidão, ao orgulho do mandar, à vontade de poder. A um pouco menos de claridade e a mais de treva.