Foi para o ar, há instantes, no jornal da noite da TVI, uma reportagem sobre o Príncipe Real. Ou sobre um Príncipe Real: o «que mantém o cariz histórico e que está na moda», o que quer que isto seja. O Príncipe Real é, em si, uma amostra de Lisboa – que de si já é uma amostra abrangente da diversidade portuguesa. Tudo o que há em Lisboa, econtrar-se-á, com certeza, no Príncipe Real. A diversidade social, cultural, económica, religiosa, sexual, de género, étnica, encontra-se nesta pequena sociedade. O convívio com o diferente é, aqui, permanente. O outro, aqui, torna-se próximo. Das omissões da reportagem, muito preocupada com os cafés design, as lojas de e da moda, ou o preço do m2, que acreditamos inocentes e, pior, ingénuas, que não explica o porquê da qualidade de vida no bairro, resta aquilo que de pior poderá acontecer ao Príncipe Real: a padronização. A padronização de gostos, de escolhas, de culturas, de vida. E, se percorrermos o roteiro da reportagem, chegaremos à conclusão que pouco distinguirá o Príncipe Real de um qualquer bairro de comércio da moda. Transformar o mundo em design poderia até ser boa ideia, se o design não fosse, hoje, refém da estandardização cultural das ideologias hegemónicas, retirado de qualquer intervenção crítica dentro dessas ideologias – as mesmas ideologias que elevam o custo do m2 aos valores obscenos referidos na reportagem, o quais, dentro do mesmo discurso, servem para legitimar o que será a qualidade de vida no Príncipe Real. (E, mais perverso ainda, ter-se o consumo design transformado em construtor de identidades.) O Príncipe Real é o lugar de tudo. Da deliciosa Senhora Joaquina da mercearia, do Oliveira do gin bem medido a 2€ acompanhado da dádiva do Sol no jardim, do Sr. Francisco dos jornais e do «nosso Benfica», do café na Cister com os que passam – e da Cister foram removidas as belíssimas mesas de tampo de lioz vincado pelo tempo e por muitos que passaram, substituídas por mesas mdf vagamente retro e feias – dos viadinhos que depois do Trumps snifam a sua cocaína de fim-de-semana aqui debaixo das escadas, da puta e do deputado na Pç. Das Flores, do homem do talho que ameaçou suicídio com uma caçadeira, só detido pela intervenção do agente da PSP que se viu na contingência de correr com a barriga e o bigode pela íngreme Marcos Portugal, dos africanos, indianos, brasileiros, lisboetas, que à noite se encontram na fonte, dos restaurantes sem comida fusão, das melhores companhias de teatro da cidade - Cornucópia e Artistas Unidos - galerias de arte, das lojas de ferragens e das mercearias, da arquitectura à escala do nosso corpo e bela, e simples e complexa das habitações populares ao gosto da humildade e da necessidade e do palácios da burguesia import/export n'importe do séc. XIX e dos exotismos para status erguer, das escolinhas e da faculdade, das garotas mais elegantes, da liberdade, da realidade, essa subversiva, que escapa ao rolo compressor da moda e do pornográfico preço do m2. Sede então bem vindos ao Príncipe Real. Todos. p.s. A gentrificação mata. |
a sétima colina
- | João Amaro Correia / 17.2.12
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