A palavra abre o mundo como a arquitectura escava a realidade, inventam e abrem, ambas, uma outra realidade (realidade outra). A transformação da realidade é também a transformação da língua. Daí que o modernismo tenha sido, também, uma época de manifestos, de textos, de discursos, de palavras, que atendiam, lado a lado com a matéria que construía numa nova invenção. Numa nova sociedade. Um novo homem.
O timbre autoritário é evidente: a ideologia comandava a realização humana, comandada por uma elite que rasuraria a História – o Anjo catastrófico?; optimista na transformação individual lançada a partir do topo da escala do poder político e cultural.
Mas a invenção humana ultrapassa o projecto e o desenho e os fins das coisas. As palavras voltam para reorganizar a realidade quando o conhecimento das coisas é confrontado com o novo. Além de reorganizar, nomear é uma forma de apropriação do objecto nomeado. O novo, o espanto do novo, sujeito e objecto das escalas múltiplas em que as coisas se tornam visíveis. O Minhocão, por exemplo. Burocraticamente pensado como Conjunto Habitacional Marquês de São Vicente, rapidamente foi apropriado pela comunidade como Minhocão.
Eduardo Affonso Reidy será um dos melhores exemplos de uma outra apropriação de um outro discurso. A penetração do modernismo faz pela via do desejo da transformação rápida, urgente, de uma sociedade onde os desequilíbrios eram – são – em si uma violência, onde a História curta dessa sociedade impunha – impõe – a mudança como motivo político sem cessação aparente.
Naturalmente corbusiano nos princípios, estende a sua intervenção num território ao qual o arquitecto suíço não saberia responder: uma geografia, uma geografia social e humana, muito para além das capacidades e possibilidades do dogma modernista.
A topografia, a escala, a técnica da construção, constituíram, através de Reidy, uma via para a introdução e desenvolvimento do cânone modernista numa sociedade em que a transformação, mais que uma evidência necessária, era uma urgência material.
E o Minhocão, que se desenrola, impávido, elegante, altivo, tranquilamente assente na massa granítica adoçada pela exuberância vegetal. Dono da colina, apropriado pela comunidade, o Minhocão, também ele furado por outro verme anelídeo oligoqueta, que fura a pedra e nos conduz à Barra.
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