excesso e crise


[For The Love Of God, Damien Hirst, 2009]

A arquitectura será certamente um território de inscrição da diferença cultural. Torná-la porém refém do pêndulo das modas críticas será restringi-la naquilo que seja a sua essencialidade e na sua operatividade sobre o real. Dizer que nos últimos vinte anos o que de maior monta sucedeu no cerne disciplinar tenha sido a feminilização será excessivo, ainda que dizê-lo seja relevante. Mas talvez essa maior relevância releve do domínio cultural, mais largo, que do estritamente disciplinar.
Colocar a arquitectura no contexto interdisciplinar, referi-la de acordo com as mais pertinentes grelhas críticas, será também uma forma de, na sua produção e prática, explorar a competência crítica da própria arquitectura e torná-la pertinente à luz da realidade. Contudo, em vinte anos de aceleração veloz e travagem brusca, creio que seria justamente este o tema: o excesso e a crise.
Vinte anos de artificiosos formalismos - falo do mainstream e creio que o texto de Figueira também fala do mainstream - via o incremento da velocidade de circulação das imagens, com o beneplácito de uma crítica cada vez mais deslumbrada e a-crítica, e uma produção cada vez mais ensimesmada no desejo de forma que, somos arquitectos, não será outro desejo que o mesmo de Narciso e depois, o agora, na crise e na catástrofe, em que a crítica e a prática se dividem, inseguras e inquietas, nas respostas sobre a necessidade da profissão do arquitecto. Vinte anos de um estilo individual, individualista, excessivo, sobre os escombros de um estilo internacional, o cinismo sobre o fim do optimismo, ainda que, naturalmente, um movimento anterior a 1990. A década de noventa e o paroximo do optimismo vertiginoso, um fim da História e o triunfo da vontade capitalista em estruturas cada vez maiores e assépticas (e a democracia não conta). A História reaberta debaixo do sangue e do colapso bárbaro das Twin Towers. O estancar abrupto dos fluxos de capitais e a emergência de questões e de latitudes que não se comprazem nem se adequam às estruturas – arquitectónicas e mentais – do Ocidente em queda. Por aí, por aí.
Ainda para mais, e isto não é de somenos, os centros de produção teórica e prática já não serão os que reconhecemos nos nossos anos de formação.