não é a terra que mata, são as casas


[Lisbon earthquake, circa 1755]

e só depois das casas a Terra se torna Mundo.
A Terra está para além da perspectiva do(s) mundo(s), é a pré-existência ao ser-no-mundo, sujeito construtor do(s) mundo(s). O ser-no-mundo necessita de abrigo às potentíssimas e desconhecidas forças da Terra. Constrói as casas que tornam a Terra inteligível através da matéria. A Terra, mais que o natural, ou o cenário palco, dos homens, das casas, da arte e da política, algo que ultrapassa a perspectiva humana, mas sendo pela acção humana iluminada.
Habita-nos o inconsciente a luta genésica Homem Natureza. Escapa-nos ao entendimento a força sublime que irrompe sem previsão. A devastação atribui-se ao desconhecido terrífico. A religião chamou-lhe mal, como um mito primário. Malagridas e voltaires. Depois a razão. Fomos expulsos do jardim pela pulsão do auto-conhecimento, como expulsámos deus pelas luzes encantatórias e ilusórias da razão: o terror é o que desconhecemos. E na terrífica ignorância nomeamos o mal e a culpa no que não entendemos. Mas não é o movimento das placas tectónicas que traz a morte.
A violência dos continentes que se mexem e chocam é ignorada na fabricação das casas. A energia libertada pelo abrupto agitar do chão faz sucumbir a construção humana. A arquitectura destroçada é soterrada nos escombros do medo, incapaz de se dizer perante a grande catástrofe sempre iminente e da qual se esqueceu no seu quotidiano ser, resumida ao tempo mais próximo e à função mais urgente; a política revela-se incapaz – menos eficaz ainda no território do despotismo.
Como o templo de Heidegger, que convoca a si tudo o que o rodeia e que pela cultura adquire o seu sentido, as fissuras nos muros devêm das fracturas da terra e do esquecimento dos homens. A arquitectura não supera a morte, a devastação inclemente, ainda que dela possa inventar algo de novo.