fulguração


[Steven Holl]

A palavra composição é propriamente terrível. Dá para tanta morte...

Na realidade, não creio que haja texto fantástico, mas processos estéticos de descrever um mundo que evolui por delírio...

Maria Gabriela Llansol


Com efeito, a representação do mundo de Maria Gabriela Llansol é o voltar os olhos para a invenção do mundo. Antes da necessidade de qualquer ciência descritiva do real é o real que inventamos, necessariamente pelos nomes, a que esse rigoroso real nos convoca. O acto primeiro é nomear. A ciência ou a religião ou a política só depois da estética. E a estética, como matéria que não se explica pelo gosto ou pelo prazer ou pelo olhar desatento com que nos aproximamos ou afastamos dos objectos. Dizer antes, pelo olhar com que os objectos nos surpreendem. O mundo é à velocidade do olhar. O seu tempo é o do desejo e o seu espaço é entre as coisas.
Seja o texto realista ou a racional função das coisas que se elevam pelo seu cintilar matemático, o campo de batalha é a membrana que a um tempo nos suspende e nos junta ao mundo. A khora, a estética da khora, do entre, do intersticial, do lugar orla do físico, do informe e do indeterminado – estética a que apela Llansol, ia dizer, se Llansol nos não devolvesse à possibilidade ilimitada da(s) estética(s) – lançada contra a lógica da não-contradição dos filósofos, como a origem. Uma origem de equívocos, a princípio, de ambiguidade, que a cada instante vai criando a sua própria verdade, desfeita no instante seguinte pelo fulgor do nome imediato. E o fulgor é aquela ideia que parte do futuro.
O edifício do formalismo kantiano, o juízo do gosto e o juízo final, é abatido pela vontade da construção do real sem a condenação a priori de um sentido lógico. O texto como as cidades como a vida, desenrolar incompleto das coisas, micro-narrativas interminadas, cidades abertas, rigorosa ordem-estética de cada fragmento, cada singularidade reinventada, cada edifício orgânico. O texto, melhor, a construção do texto regressa à ordem da arquitectura.
O eterno devir do mundo é a construção. As filosofias regem-se pelo ritmo da elevação dos muros e pelo som que faz o gesto ainda mais humano de os abrirmos. Os nomes eclodem da exigência unívoca e libertam-se em permanentemente renovados fios que os ligam entre si e os objectos. E é aí, nessa teia hiper-real, sempre construída, por vontade e por acaso, que o real emerge sempre novo sempre oscilante.
Os edifícios, as cidades, sobrevivem-nos. O que é novo será ruína. O corpo que transportamos perecerá sob as pedras que levantámos. Como construir uma casa?, como construir uma vida?