Escuta-me, porque sou desta e daquela maneira. Sobretudo, não me confundas com o que não sou.


[Whose Utopia?, Cao Fei, 2006]

A realidade foi privada do seu valor, do seu significado, da sua veracidade, na mesma extensão em que foi fabricado um mundo ideal… o «mundo real» e o «mundo aparente» - em termos simples: o mundo fabricado e a realidade… a mentira do ideal tem sido, até agora, a maldição da realidade; através dela, a própria Humanidade tornou-se embusteira e falsa até nos seus instintos mais profundos – ao ponto de adorar os valores inversos dos únicos que podiam garantir a sua prosperidade e futuro, o exaltado direito a um futuro.

[Ecce Homo, Friedrich Nietzsche, 1885]


A proposta de Nietzsche será a da construção do mundo. E fujamos da megalomania profética da sua própria monstruosa utopia, permaneçamos no vigor em que o filósofo deixa a ruína: «Se desejarmos uma arquitectura de acordo com a nossa alma, o labirinto terá de ser o seu modelo!»
Alguém que queira entrar no labirinto - um desejo que convida ao questionamento – deverá pensar-se a si próprio no exterior. O problema do mundo moderno não é o facto de ser labiríntico mas o facto de excluir o labirinto. O que é crítico nesta proposta é a verificação dessa perda moderna, do mundo labiríntico, e ter-se tornado no lugar onde tudo é construído pelos cálculos precisos da razão. A razão que nos torna reféns e nos exclui da invenção.
A tensão entre razão e imaginação é a morada deste arquitecto-construtor: enquanto a primeira insiste na regra e na ordem a segunda é anárquica na sua essência, desafiando aquilo que a ciência nos leva a aceitar como realidade por oposição ao reino do mito e da arte e da religião. A imaginação recusa o ideal da verdade como endereço de um discurso sobre as coisas. A imaginação sabe a sua responsabilidade: pressupõe liberdade face à tirania da razão. Da razão prática, diria.
A habitação humana requer a imperfeição. É uma construção incompleta. É um edifício que se constrói a partir do sonho, desejo, da casa.