()

Nymphomaniac, Vol. I, Vol. II | Lars von Trier / 2014

Por uma geometria narrativa confessional, (ou psicanalítica), Joe vai contando a Seligman a vertigem sexual ao redor da qual toda a sua existência toma sentido. Nem por um momento se sugere um moralismo barato, antes o confronto do espectador com imagens explícitas e palavras - palavras que aqui adquirem presença preponderante pela sua crueza desapiedada
Ninfomaníaca estilhaça o relativismo ético e moral das nossas sociedades. Uma história contada por alguém doente, alguém que distingue com meridiana clareza o bem e o mal, por contraponto a quem a ouve e que não mais é que a auto-complacência cheia de si da actual sociedade hipnotizada por psicoterapias (que mais não são que dispositivos totalitários de controlo), e embriagada pelo materialismo. E tão importante quanto a voracidade sexual doentia de Joe – que a leva à total dessensibilização ao prazer – é a assexualidade de Seligman, que vive uma existência que recusa a sua própria sexualidade.
Como que inversão do dispositivo cinematográfico, como procura de imagens para contar o que se vai dizendo, importa aqui o que se vai contando. E o que se vai contando é uma história em que rebenta com o espartilho do politicamente correcto com que hoje as nossas sociedades se auto-reprimem e vigiam. E assim talvez faça sentido ser uma pessoa doente a dizê-lo, por contraponto à suposta saúde e civilidade do velho ouvinte. E depois no fim Joe dá-lhe um tiro, na afirmação radical da sua liberdade.
E von Trier diz-nos que afinal a pior patologia é mesmo a vida asséptica e assexuada, a linguagem policiada de que o velho Seligman é representação.
Não tanto a cinematografia mas mais como o conto moral, contado com irrisão por alguém que olha o humanismozinho de classe média e o sentimentalismo garandiloquente pequeno-burguês que domina hoje a paisagem cultural do Ocidente, faça de Ninfomaníaca um objecto também político - naturalmente que a crítica do Guardian ou do NYTimes ou do Público jamais aprovaria um filme como este.