no coração das trevas

[Zero Dark Thirty, Kathryn Bigelow, 2012]













A discussão em volta de 00:30 Hora Negra (Zero Dark Thirty), de Kathryn Bigelow, tem mais de político que cinematográfico. Talvez não pudesse ser de outro modo. O filme trata da perseguição desencadeada a Bin Laden após o 11 de Setembro de 2001. E, de certa forma, 00:30 Hora Negra sugere a captura e assassinato de Bin Laden como encerramento de um tempo histórico iniciado nesse trágico 11 de Setembro.
A ambiguidade de que é acusado 00:30 Hora Negra, na incapacidade em produzir um juízo definitivo sobre o uso da tortura como prática legítima em tempo de guerra – debate que tem sobrelevado o filme – é sustentada, por parte de Kathryn Bigelow, na veracidade dos factos e dos depoimentos recolhidos para a construção de um argumento, na exposição jornalística dos acontecimentos e na filmagem documental. Como alguém disse, vivemos na era da razão cínica e, não esqueçamos, antes de ser uma “fábrica da fantasia” Hollywood é a maior e mais eficaz máquina de propaganda ideológica alguma vez montada por um poder. Seria impossível a Kathryn Bigelow escapar a esta teia - complacência e colaboração da CIA na elaboração do filme, a produção por um grande estúdio – nem tal se afigura como central em 00:30 Hora Negra. Mas decorre daqui a necessária reflexão sobre os limites do cinema, ou da verdade no cinema, da possibilidade ou impossibilidade da adesão ao real e à verdade a partir de um olhar cinematográfico.
00:30 Hora Negra é o percurso e a vertigem da última década americana. A incapacidade em compreender o que sucedeu em 2001 e o desnorte que se seguiu. De Maya, a personagem central do filme, construída a partir da agente da CIA que terá sido uma das principais responsáveis pela localização de Bin Laden, não será descabido dizer que incorpora os medos e os fantasmas e a ansiedade da história recente da América. E o desenvolvimento quase documental do filme, numa vertigem que tem paralelo na obsessão de Maya em capturar Bin Laden, tem incrustado e vai desvelando as questões que se levantam, justamente, nessa História recente da América: o lugar da América no Mundo pós-11 de Setembro, a face moral dessa América em razão do uso de infames práticas de guerra e o respectivo enquadramento ideológico dessas práticas de tortura.
Maya transcende em muito a agente obstinada na perseguição a Bin Laden e obcecada com a vingança. Nos 10 anos que decorrem entre o 11 de Setembro e a morte de Bin Laden, em Maio de 2011, não é apenas Maya que percorre os becos sem saída das pistas falsas, dos equívocos e dasvperplexidades de um Mundo que se abate violentamente sobre ela, do labirinto do terror de uma guerra sem guerra. É também a América que se perde se se reencontra na esperança de que uma vingança sobre Bin Laden exorcize todos os fantasmas e demónios que a assolam desde do dia 11 de Setembro de 2011.
00:30 Hora Negra abre com as vozes do 11 de Setembro e fecha com a angústia no rosto de Maya: e agora, para onde vamos?