Olho as ferramentas,
o mundo que os homens fazem, onde se afadigam,
suam, parem, coabitam.
O corpo dos homens, prensado pelos dias,
a sua noite de ronco e de esperneios
e as encruzilhadas em que se reconhecem.
Há cegueira e a fome ilumina-os
e a necessidade, mais dura que metais.
Sem orgulho (o que é o orgulho? Uma vértebra
que a espécie ainda não produz?)
os homens roubam, mentem,
como predadores farejam, devoram
e disputam a outro a carcaça.
E quando furtam, quando dissimulam
ou quando contornam uma lei ou quando
se aviltam, sorriem,
entreabrem ligeiramente as pálpebras, contemplam
o vazio que se abre nas suas entranhas
e entregam-se a um êxtase vegetal, inumano.
Eu sou de outra margem, de outro lado,
sou dos que não sabem nem tirar nem dar,
gente para quem partilhar é impossível.
Não te aproximes de mim, homem que fazes o mundo,
deixa-me, não é preciso que me mates.
Eu sou dos que morrem sós, dos que morrem
de algo pior que a vergonha.
Eu morro de olhar para ti e não perceber.
[Agonia Fora Do Muro / Poemas Escolhidos | Rosario Castellanos / Antígona - Editores Refractários, 2020]