ii. A duração é o que de nós e em nós produz a significação da realidade. É a organização da vida. Não no tempo dos relógios, não na narrativa linear das coisas que se sucedem nos rumores do jornalismo. A sucessão é aleatória, subordinada ao regime da consciência. É a sucessão das imagens que nos habitam - que habitamos - e não dos conceitos que erguemos e reduzem a realidade ao catálogo ambíguo das palavras. Uma espécie de complacência onde o que importa é a aguda consciência do eu no mundo. A suspensão, a epoché, a nova ordem que emerge da supressão da realidade, para o real se tornar mais intenso, o caminho de regresso a nós mesmos. O regresso ao eu como registo e fixação e inscrição do eu-no-Mundo. Duração como recuperação e regresso da experiência do real. A experiência contínua, não sucessiva, irrepetível, dos lugares e das coisas. A experiência e o desejo do consolo do mundo: o belo é a transcendência do mortal ressumado, na sua “inteligência” – racionalidade – à sua condição passageira – animal. O elogio do tempo, da efemeridade das coisas que permanecem, que nos conduz à união. Ser vivo com as coisas do mundo. O lugar é chíasma, o salto, o abismo e o regresso. E finalmente: feliz todo aquele que tem os seus locais de duração; porque, mesmo que para sempre seja forçado a partir para uma terra estranha, sem esperança de regressar ao seu próprio ambiente, não será jamais um expatriado. E os locais da duração também nada têm de notável, muitas vezes nem estão assinalados em nenhum mapa ou não têm no mapa qualquer nome. Um modelo perfeito do mundo inteiro. [...] a festa de agradecimento da presença no lugar. Impulso temporal da duração, tu rodeias-me de um espaço descritível e a descrição cria o espaço que se lhe segue. [...] acabo por não ser simplesmente só eu. A duração é o meu desprendimento, ele deixa-me sair e ser. [Poema à Duração, Peter Handke] |
lume brando
- | João Amaro Correia / 5.8.11
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