Voltemos, porém, ao sentido da recusa: ela significa que, a seus olhos, uma vida de mortal bem sucedida é preferível a uma vida imortal fracassada. E o que é uma vida de mortal bem sucedida? É uma vida que aceita acima de tudo a finitude, a mortalidade como tal, mas que procura, no entanto, alcançar uma existência bem-sucedida, visando à harmonia com o cosmos – é o próprio sentido da viagem -, uma vida na que se encontrou seu lugar, ou, para falar como Aristóteles, uma existência na qual se consegue chegar ao seu ‘lugar natural’. E, para Ulisses, esse lugar natural na ordem cósmica fica na sua cidade, em Ítaca, com o filho e a mulher. Desse modo, supremo paradoxo de uma literatura totalmente impregnada dos deuses, a mitologia desenha uma sabedoria leiga, uma sabedoria não religiosa, uma espiritualidade que permanece destinada aos mortais que não devem esperar dos deuses sua salvação. Ao contrário, uma vida fracassada para Ulisses consiste em chorar sobre o rochedo em companhia de uma ninfa que certamente é mais bela que sua mulher, mas com a qual ele não está em seu lugar, uma vida fracassada, para ele, é uma vida de imortal deslocada. [A Tentação de Cristianismo - de seita a civilização, Luc Ferry e Lucien Jerphagnon] |
exilium#4
- | João Amaro Correia / 24.7.11
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