CityCenter, Las Vegas Eventualmente a história é a história dos vencedores, sobretudo se os vencedores são construtores. E são-no sempre. E constroem cidades. E as cidades que hoje se constroem são as cidades da vitória do complexo políticio e ideológico que faz do consumo o alfa e o ómega do progresso social, o impulso e a finalidade da actividade humana. Todos consumimos. Todos compramos e vendemos, todos damos alguma coisa a ganhar a alguém, todos ganhamos, todos perdemos. Não discuto as vantagens e desvantagens psíquicas e espirituais deste processo que terá os seus méritos materiais, com tanta gente a ser arrancada à pobreza todos os anos. Naturalmente que nada disto é racional, sendo apenas racional a inteligência financeira que se desloca à velocidade da especulação de lucro. Mas às margens e ao que não passa em prime-time nas televisões restam o rápido esgotamento dos recursos do planeta, as cada vez maiores e pesadas catástrofes naturais, consequência da poluição, a cada vez mais aguda segregação entre grupos, comunidades, classes, consumidores e não-consumidores, a realidade e violência com que irrompem consequências de acontecimentos distantes na vida concreta de cada um. A cidade é global. O globo é sitiado. O território, refém. O mundo não é chato embora o que estamos a construir tenda a isso. Indiferentes aos lugares, como a vingança de Descartes a confirmar a universalidade da razão (cínica), as cidades da América Latina serão iguais às de Abu-Dhabi, que serão iguais às do Extremo Oriente, que serão erguidas a partir da supremacia cultural de imagens produzidas pela máquina ideológica. A teleologia imagética escorre pelas redes sociais, financeiras, que excluem o corpo e os lugares e alimentam a ilusão da participação. O desconforto da arquitectura é a sua demissão crítica. Nem todos as esquinas da cidade global merecerão o ângulo agudo de Daniel Liebskind? Mas todas o desejam. Do parque temático CityCenter de arquitectura, dessa cidade que é um parque temático do desejo que é Las Vegas, da replicação planetária, retórica, do modelo Barcelona como um sucesso da cidade. A cidade que se vende a ela própria, que se consome a ela própria, agora, nessa retórica que tudo remete para a religião da ecologia e da narrativa hipócrita da sustentabilidade. A crítica marxista acusará, no seu cinismo moral, a responsabilidade do poder, ilibando, no determinismo do devir mecânico que enuncia, cada indivíduo à responsabilidade que lhe cabe. A evidência é clara, somos, claro, todos responsáveis, pelo simples facto de sermos humanos, de pensarmos e habitarmos. E todos termos idade para fazer filhos. O que é Christian de Portzamparc no Rio de Janeiro ou Norman Foster em Masdar ou Zaha Hadid em Roma, o que são visões quando o futuro é já, já aqui? O neo-colonialismo é a produção ideológica de imagens sobre o outro que o outro aceita como as dele, constituindo e construindo a sua identidade sobre essas imagens em que eu digo ao outro o que ele é. O mundo não é chato embora as cidades se aproximem pela monotonia do marketing urbano, os lugares se distanciem pelos muros que se levantam à volta dos condomínios fechados disseminados por esse marketing que levanta também o(s) desejo(s). Tudo igual em todos os lugares. Nada em lugar em algum, nada no seu lugar. O que é o exílio? In the name of progress And democracy The concepts represented in name only [World Citizen (I won't be disappointed) , David Sylvian/Ryuichi Sakamoto, 2004] *Slavoj Žižek Para a Aninha. |
bem vindos ao deserto do real*
- | João Amaro Correia / 29.5.11
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