Provavelmente um dos conceitos mais plásticos com que se pensa o mundo será o conceito de natureza. Porque sujeito à evolução do conhecimento que, pela ciência, se vai adquirindo do mundo, é a natureza, a representação da natureza, a exacta medida desse conhecimento. Os artefactos da civilização contrastam com a natureza, na invenção romântica da natureza, deles extraindo, os românticos, leituras morais, de uma luta entre o bem e o mal, declinando metáforas da dominação das forças da natureza pela vontade humana. O maior artefacto da civilização será a cidade. E é a cidade a evidência do confronto mítico do homem contra a natureza, inscrito na irreprimível lei da sobrevivência. Não se trata de extrair do fracasso de Fordlandia um exemplo da incapacidade humana diante da força da natureza incontrolável, combate tão antigo quanto a expulsão do paraíso, nem, tão pouco, da invenção dessa morada paradisíaca na Terra. Se a natureza se revela na potência precisa com que ocupa o vazio, Fordlandia é o espaço impreciso em que a arquitectura e a paisagem se denunciam.
A iniciativa de Henry Ford, a invenção de uma cidade americana no meio da floresta, pouco terá de poética. O símbolo da verticalidade produtiva do método Ford, do taylorismo totalitário que se ocupasse não apenas do controlo do homem mas também da natureza, seria um éden estruturado a partir do american way of life ao qual todos os indivíduos poderiam aceder. Como o mundo de Norman Rockwell dentro da Amazónia, o bem-estar americano de alcance universal. A imitação de uma cidade americana, na sua estrutura arquitectónica e social - ruas largas equipadas com hidrantes, shingle-houses com água quente, frigorífico e todo o tipo de comodidades do modelo industrial americano, cinema (desenvolvido por Thomas Edison, amigo de Ford), department stors e serviços comunitários organizados em torno da ideia da eficácia produtiva – do controlo social como ideia do progresso, tangível e ao alcance de qualquer indivíduo em qualquer contexto e condição. Evidentemente que são múltiplas as linhas de leitura desta experiência: o fracasso económico da verticalização e concentração da produção; o equívoco social de obrigar populações nativas a dançarem jazz ao sábado à noite, a alimentarem-se de sopas Campbel’s, a possuírem frigoríficos na cozinha, o índio como um all american boy; a ruína do idealismo arrogante e totalitário da era da máquina como proposta única da existência individual e colectiva; a dissolução de um sonho, trágico, do positivismo individualista. Em tudo as consequências ruinosas desta experiência remetem para um outro fracasso, o do urbanismo modernista, ainda que este sustentado em pressupostos ideológicos opostos. Há uma poética, admita-se, nesta ruína de uma utopia na selva. Ou esta poética, da construção desta ruína, seja o único legado possível de qualquer utopia assim que revela a sua verdadeira natureza: o desprezo pelo Homem. |
henry's dream
- | João Amaro Correia / 17.10.10
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