respigador


[Verme, Nuno Ramos, 2010]

Muitas caipirinhas depois, dentro do táxi, sou avisado que ia em sentido contrário. Vinha caminhando por uma praia que me pareceu sem fim, um túnel ocre amarelo gasto abafado intoxicado deserto, a agora, também perigoso, o mar era só um rumor ruidoso e o casario parecia-me desorganizado, tanto quanto o mundo pode parecer organizado a quem não tem horas nem posição no mundo, e até a verticalidade parece difícil, e aquilo poderia até ser uma favela, pela sobreposição caótica das luzes.
Sem lenço sem documento sem conhecimento, o mapa é a noite que passa e o álcool e a cidade que nasce de todas essas imensas escuridões.
Malcolm Lowry de segunda, respigador dos excessos de um bar aberto, construo a cidade, construo-me, em aproximações ao que existe. A perda é condição da liberdade: guardar a solidão como honra e glória da descoberta do que se não conhece. Os limites, guardam-se para os assuntos do dia, para o desencontro das coisas que se acham na noite. Que existem.