deserto dos homens


[Nr.1(Pfaff), Sabine Hornig, 2003]

Diz que contempla a realidade pelos reflexos. Ou talvez contemplar não seja o verbo adequado. Exigirá duração, e o tempo é de velocidade. Veloz, então sobrevoam os olhos pelos reflexos. Dos vidros, dos ecrans, brilho veloz do fortuito e do efémero, da rota vã da moda e da rarefacção da memória. O triunfo da crítica platónica, no seu desprezo pela aparência quando esta sobrevém à substância?, a redenção pelo tráfico da experiência, quando tudo é uma experiência que se compra e vende?, e nesse tráfico a perda do sentido do real, daquilo que sabíamos, conhecíamos, que era e já o não é e não sabemos já bem porquê?
Articular Benjamin nas passagens com os non-lieux de Augé é, pareceu-me, um absurdo. Como partir para uma cidade acreditando no désert dês hommes de Beaudelaire e acabar por encontrar uma mesa, umas cadeiras, alguém com quem trocar as mãos. Mas de certa forma, a luz dos reflexos que nos cegam, que nos não deixam sombra, que nos não permitem descanso, que exigem permanente movimento troca consumo, são uma possibilidade de pensar as essências, para além de uma mera sociologia desta condição de permanente espectador consumidor.
De facto, descer a avenida e contemplar, lento, as vitrinas pode ser, agora, a realidade que Velasquez propôs.