desaparecimento(s)
[Ruínas, Manuel Mozos, 2010]
joão amaro correia disse...
tudo muito bem, mas algo me deixa perplexo, no filme. e confesso que essa perplexidade assumiu contornos mais tangíveis nos planos dos bairros dos pescadores, na trafaria, acho, e naqueles bairros disformes ou informais ou outrora ilegais da fonte da telha. a saber: não é de ruína que falamos, o título é enganador, não é dessa experiência crítica do tempo a tratar a matéria, é a memória?, provavelmente. e aqui a memória é a de um portugal que não existe, claro, mas, regresso a essas duas sequências particularmente, um portugal ainda contemporâneo, que alguém, no caso o realizador, não acha que deva ter espaço para existir.
de resto, imagens belíssimas, evidentemente. e talvez, se se quisesse ter aguçado um pouco mais a dor, ter-se esticado ao limite o tempo de cada plano?
Susana Viegas disse...
é uma boa ideia, não sei se o Mozos queria criticar de algum modo negativamente esse tipo de ocupação - mas esses bairros de pescadores na fonte da telha mostram que as ruínas não são apenas os sítios abandonados mas as actividades, os hábitos ou projectos que deixaram de ser actuais. aqueles bairros não terão nunca ruas ou avenidas como uma cidade tem. mesmo que não estejam abandonados, as ruínas são um processo lento já engrenado.
joão amaro correia disse...
justamente. mas a questão que coloco é: 'as ruínas não são apenas os sítios abandonados mas as actividades, os hábitos ou projectos que deixaram de ser actuais' à luz de quê e de quem?
eu terei uma resposta e, concedo, demasiado cínica, que por pudor aqui a omitirei.
até porque tocas num ponto sensível: 'aqueles bairros não terão nunca ruas ou avenidas como uma cidade tem'. quem nos diz que aquela gente, aqueles indivíduos, aquela comunidade, deseja viver segundo um modelo 'urbano' que a realidade portuguesa conhece?
(e esta é uma crítica extensível aos programas polis e sucedâneos que são fundamentados a partir de um modelo urbano aos quais porei as minhas dúvidas quanto ao seu reconhecimento pelas populações/comunidades).
Susana Viegas disse...
eu não queria entrar por aí apesar de o ter pensado - não creio que o modelo urbano e organizado deva imperar tanto mais que eu vejo muita criatividade vivencial por exemplo na escolha dos materiais, nos azulejos, nas conchas da chamada arquitectura popular. há de facto um grande interesse nesses espaços (já agora, pensemos na passagem nos filmes do Pedro Costa, das Fontaínhas para um novo bairro social..)questões políticas? ou culturais?
joão amaro correia disse...
claro que essas partes que escapam à 'normalização' - e talvez o termo mais apropriado seja racionalização - urbana são ricas. quanto mais não seja pela diversidade e pela invenção e subversão com que se excluem ao gosto dominante que é traduzido em modelos mais ou menos assépticos, mais ou menos indiferenciados, de «cidade».
e refiro o trabalho antigo do graça dias à volta da «casa do emigrante».
(curiosamente já se trabalha no fenómeno da 'casa do emigrante' que já é ruína: as primeiras gerações ou desapareceram ou não mais regressaram e as terceiras gerações já não estabelecem relação com a origem da família. tive nota disso há poucos dias a propósito de um documentário que penso será brevemente exibido.)
- | João Amaro Correia / 27.4.10
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