das casas e de outras coisas




1. A mulher vive na casa; ela toma o seu nome.
2. A casa sabe quem a ama.
3. Uma casa vazia é uma das metamorfoses do espaço vazio.
4. A respiração de uma casa é o som das vozes no seu interior.
5. Sinto que te estou a deixar.
6. Amei-te em/um/sentido.
7. Pare sempre é sempre para.
8. Espanto Deus da alma.
9. Espanto ampara o corpo.
10. A casa é uma coisa nocturna, isto é visto de fora, quando as luzes estão apagadas.
11. A casa é como um gato preto à noite, apenas uma silhueta.
12. A casa vagueia à noite, quando os seus ocupantes dormem.
13. Os sonhos nocturnos avançam em compartimentos fixos.
14. Os sonhos diurnos empalidecem a luz.
15. A abertura da casa ao mundo advém do excessivo som dos seus habitantes.
16. A casa gosta da teia, lembra a sua construção.
17. O irmão da casa é o jardim.
18. Quando a casa entristece as nuvens que a cobrem empalidecem e não há movimento de ar.
19. A casa nunca esquece o som de quem originalmente a ocupa.
20. Os fantasmas da casa permanecem no seu interior, se eles saem e acedem ao exterior, desaparecem.
21. A casa apenas tem medo de deuses, fogo, vento e silêncio.
22. O sangue da casa é o movimento das pessoas no seu interior, quando permanecem quietos.
23. A casa é vista a chorar quando irradia as águas da chuva.
24. Os deuses invejam a casa, porque a casa não pode voar.
25. As escadas da casa são misteriosas porque se movimentam para cima e para baixo ao mesmo tempo e simultaneamente.
26. Neve é feminino, gelo é masculino.
27. A casa teme o vento e tem medo das árvores.
28. A casa transporta o seu peso próprio, e também as penas no seu interior.
29. A luz é a ligação directa da casa com o céu.
30. Deus deu ao homem duas casas, o seu corpo e a sua alma.
31. Todas as almas implodem quando uma mulher morre. É aí que o coração do homem desaparece.
32. O santuário da casa é o quarto fechado.
33. O homem dá nomes aos compartimentos, Deus deu o espaço.
34. O som da casa é o seu distante lamento.
35. A mobília de uma casa é a silenciosa testemunha do homem.
36. O puxador da porta inverte o tempo.
37. O aroma de um quarto define-se pela presença da mulher e pela sua ausência.
38. A sombra da casa comprova a escura bi-dimensionalidade.
39. O calendário da casa é a interna queda das folhas.
40. Videiras trepadeiras na casa sugere a intemporalidade.
41. Quando o vestido de uma mulher cai no chão do quarto Deus ouve-o.
42. O nascimento da casa é de uma mulher.
43. Dançar em casa é um fruto proibido.
44. A casa espera o carteiro.
45. As janelas da casa desejam o sol.
46. Janelas geladas são os quadros desenhados de uma casa.
47. O alpendre da casa medeia a natureza e o construído.
48. A casa permanece durante anos.
49. Papel florido no seu interior faz a casa sentir-se ansiosa.
50. Portas trancadas no interior da casa significa tanto alegria ou horror.
51. Os pavimentos em pedra de uma casa no inverno emanam frio para toda a extensão da casa.
52. Os pensamentos de uma casa particular devem manter-se em segredo.
53. O calor levanta-se na casa por forma a regressar ao sol.
54. Deus nomeia a casa.
55. A alma de uma casa é a sua alma.
56. O alpendre da casa anuncia o pesar da casa.
57. O brilho da lua dentro da casa é mais negra luz imaginável.
58. A casa acorda de manhã e sorri aos pássaros.
59. A estrelas nocturnas indicam-nos que neva no Universo.
60. A madrugada vermelha torna a casa sonolenta.
61. A casa brinca com o lago através dos reflexos.
62. O vento sopra as folhas caídas de uma árvore porque a quer ver nua.
63. A lua revela à casa que as outras casas têm alma.
64. A casa fecha os olhos quando sofre uma remodelação.
65. A casa sabe que há uma inevitável operação à espera dela.
66. Raízes são os parentes próximos das fundações da casa.
67. Nuvens iluminadas são os silenciosos pensamentos de Deus reflectidos.
68. Uma mulher desdobra-se como uma casa de inúmeros compartimentos.
69. Uma mulher move-se na casa como os anjos pelo céu.
70. Quando a mulher amacia o seu cabelo a casa permanece silenciosa.
71. As carpetes da casa são as sandálias da casa.
72. A mulher lava o seu corpo como a lua banha a casa... suavemente.
73. A voz de uma mulher é varia como a luz de um longo dia num compartimento.
74. Quando a mulher lava o vidro de uma janela lava os abandonados pensamentos de Deus.
75. Os lábios da mulher fecham-se como os cortinados da casa se fecham para serem abertos na madrugada.
76. O gato na casa é o vigilante silencioso.
77. Os livros na biblioteca da casa envelhecem com os habitantes da casa.
78. Quando dois amantes conversam num quarto o ar escuta.
79. As estantes de livros de uma casa guardam os amores passados e presentes e aguardam por futuros volumes.
80. Uma taça de fruta numa mesa na sala sugere um toque de pigmento volumétrico.
81. Ela abraça a coluna de madeira e imagina a árvore que lhe era anterior.
82. A fuligem na cobertura é a estola da casa.
83. Os olhos de uma mulher que olham pela persiana aberta tornam o os olhos do pavão plausíveis.
84. As mãos do velho pintor seguram o corrimão de madeira para que este suporte a sua densa visão.
85. O estúdio de um pintor é para pintar e para fazer outras coisas também.
86. O pintor embalsama a morte.
87. Quando uma mulher balança uma criança nos seus braços confunde a morte.
88. Quando uma mulher sopra um beijo na casa... ela detém-se...
89. Os olhos dos músicos de um quarteto de cordas cruzam-se na sala e trocam-se entre eles bem como aos seus corações.
90. Uma casa nasce, vive e morre e é nomeada casa.
91. A casa alcança a imortalidade quando se torna apenas um pensamento que deixa de existir.
92. Deus castiga a casa banido-a do tempo.
93. As cobras entram em casa para escapar à ira de Deus.
94. Os gansos selvagens voam em triângulo para perfurarem as nuvens.
95. O peso das pedras de granito de uma casa devém da absorção pelas pedras de toda a melancolia da casa.
96. A humidade nas pedras da casa forma-se a partir do medo da casa ao nevoeiro.
97. As cortinas da casa são os seus véus, quando removidas revela-se a nudez da casa.
98. A casa é o colaborador sexual da mulher, preenchida de pensamentos íntimos.
99. O ar é convidado quando uma mulher abre a janela.
100. Livros são fêmeas, um misterioso ritual reside no seu interior.


(continua)

[Sentences on the House and Other Sentences, John Hejduk, in Uncontrollable Beauty: Toward a New Aesthetics, versão JAC]