a casa consciente


[Home, Ursula Meier, 2008]


elle avance
Sabemos que a casa é uma forma mental. Não como a racionalidade iluminadora do desenho de Leonardo, a cosa mentale que faz estender à mão o poder da vontade da razão, do conhecimento, no encalço da razão das coisas, antes como a quase psicanalítica poética do espaço, do re-conhecimento dos medos e do lugar que nos protege do medo. Um jogo, a partir do lustprinzip freudiano, do desejo de desejo-de-prazer que recusa – no inconsciente – qualquer forma de medo e terror que o destrua. A casa é o lugar onde a aflição e o terror e a necessidade são extintas pelo calor do fogo que acolhe.

A casa estende-se pelo exterior, os planos abrem-se, enquadram-se através das janelas, a partir do inteior. A luz é como em Hopper, o dourado das cearas, o azul brilhante do céu.

Uma família escolheu um sítio e os materias. Uma família construiu uma casa. Uma casa abrigava uma família.
Marion, ingénuo oráculo da catástrofe iminente, pergunta a Marthe, da sua capacidade de permanecer em casa. Marthe respnde com a liberdade.
O equilíbrio frágil em que balançam as diferenças entre cada um é mantido pelos fios invisíveis do amor que os une, da protecção mútua, do abrigo que encontraram, longe das outras casas e da cidade, dos outros homens.

elle est plus capable de rien
E as máquinas pesadas avançam, numa coreografia da eficácia dura e impiedosa. A velha auto-estrada é reactivada. O corte abrupto, não inesperado mas sempre na esperança adiado. O corte com o mundo. O corte da distância justa que tinham encontrado. A estrutura dos laços que os integravam, que era a subsistência da família e de cada um dentro da família, é desintegrada.

A câmara divide-se, vinca o interior e o exterior, que agora violentamente divergem.  E um sem o outro não sobrevivem.

O interior sufoca, no desespero de recuperar o anterior da casa. O exterior é a agressão contínua, imparável, das máquinas velozes e letais à mínima desatenção, o lixo e os resíduos da velocidade contemporânea. A casa torna-se bunker. Judith, a indiferente, fica presa no exterior, e no interior a Marthe, atordoada, pretende recuperar a casa.

A luz já não é a do sol mas a ruidosa fluorescência sobre o cinzento dos blocos de cimento, a evasiva à agressão que vem de fora.

Fechada sobre si, a casa definha. Vai morrendo à medida que cada um da família implode pela finitude do que os unia. O amor subsiste, ainda. Frágil, à procura de outro lugar para reconstruir a casa. Que será já outra.