Brazil builds


Mas pouco importam as palavras. Muito menos o estalisnismo igualitarista de Niemeyer. Nem o utopismo que serve ao poder, ou de que o poder se serve. De pouco importam as palavras. Ficam as obras.

O afã democratizador pós-moderno rebaixou o poder - como rebaixa tudo - à tábua rasa da vulgaridade. Compare-se qualquer um dos edifícios erguidos para esta insana e autocrática União Europeia - vidro, plástico, politicamente (totalitariamente) correctos na sua inserção no mundo. Ainda que a gramática modernista de Niemeyer seja reduzida, usou-a a serviço dos propósitos do poder de Estado, entendido ao tempo como curva de atalho para a Utopia. Ergueu o modernismo à condição de linguagem de poder e, não é coisa de somenos, inventou a imagem de um país que se afirmava na modernidade e no progresso. E, num mundo em que apenas conta a imagem, as do concreto de Niemeyer erguer-se-ão por séculos. Nesse sentido terá sido, de facto, o último arquitecto modernista. E sendo a arte e a arquitectura, a grande arte e a grande arquitectura, sempre, totais, absurdas, loucas, psicóticas, violentamente atractivas – e por esse motivo muito atractivas ao poder para sua auto-celebração e representação - a loucura brasiliense lá está, e cresce, fora do plano, à medida do pão-nosso-de-cada-dia, no cerrado.

Platão, Moore, Marx, Brasília, a voragem sempre nova da velha utopia da perfeição humana e do resgate, aqui e agora, do paraíso perdido; a subversão do espírito que é eliminar a subversão humana, banir o desejo, asfixiar o humano numa sociedade perfeita, planeada, centralizada, controlada. Brasília sim, e a identificação de um país que se queria identificar fora do peso da História para nela, na História, se inscrever. Brasília que se repete, à exaustão, nos pilotis de apropriação popular, pós-modernizada na publicidade e nas arquitecturas construídas pelo Brasil, kitsch do que foi inventado – Brasília, cidade inventada? – para ser grave e sólido e sério. Brasília que povoa, lá do planalto, o imaginário de todo um país, de todo um povo.
Brasília da vontade de poder do homem comum. Brasília, uma cidade no deserto. E o seu arquitecto, mito e símbolo de um país.




















[Brasília, René Burri]