abismos





[Lighthouse Tower, Rio de Janeiro, Mikou Design Studio]



Na verdade gostaria de pensar o que quer que fosse sobre isto. Mas isto explica-se a si mesmo. Uma coisa. Espúria, inconsequente, vaga, vazia, destituída de qualquer sentido do que quer que seja. Ou, pelo contrário, a afirmação – narcísica – do zeitgeist, que convoca, numa imagem, todas as patologias de que enferma a arquitectura mainstream ou publicável. Enventualmente, este exemplo seja tão eloquente como qualquer outro extraído de um qualquer sítio da rede.
A exemplaridade deste farol anuncia-nos o espírito do tempo, tanto como a condição cultural genérica em que quotidianamente submergimos, como o totalitarismo com que esta estética, dirigida e dirigista para a circulação e consumo instantâneos, opera. E há, claro, a questão narcísica, inevitável na prática contemporânea da arquitectura.
O totalitarismo deste tipo de imagens, destituídas de significado mas revestidas de lancinantes apelos à percepção e à consciência domesticada, que exluí do real a faculdade deste ser o território em que se constroem, inventam, abrem possibilidades. Em que o real é apenas o observável - consumível -  a partir de uma perspectiva unívoca e, presumivelmente, global, de que este tipo de produção de imaginário é o braço armado.

A fantasia, como apelo, é sempre de marketing apuradíssimo: This tower is for us the poetic embodiment of its natural and urban surroundings. It summarizes the tropical experience associated with lush South American vegetation, the deep skies of Brazil and the sensorial urban landscape. We have thought up a truly Brazilian tower which symbolizes the imagination, beliefs, myths and memories of Brazilians. One made of sensitive perceptions of light, sound, atmosphere and sensual experiences related to its geographical and urban location. An abstraction of the female form, our tower is rooted on the island of Cotunduba and offers itself to the sea via a large jetty. It is designed as an arch at the entrance to the city, a figure that frames the Brazilian landscape by a window cut into the organic shell. (???)

Não recuso o elogio da superfície. Pelo contrário, a obsessão pelo interior tenderá a elidir a superfície das coisas como o nosso primeiro contacto com o real, relegando-a, à superfície, ao que é carecido de valor. A perda dá-se quando a erosão aniquiladora da superfície desoculta uma realidade inefável, antes de qualquer possibilidade de completude no real. E a completude, a incessante e dinâmica relação entre uma construção e o seu entorno, é aquilo a que um ícone, encarcerado nos seus significados, está vedado.
À gramática da arquitectura sobrepõe-se um discurso de imagens: a frivolidade obstinada na construção de abismos vazios.