Em conversa com um artista e uma curadora, conversa rodeada de chopps, diz o artista que um outro artista ao retirar-se de Lisboa para a província perdeu o lastro de possibilidade de visibilidade que o tornaria a figura relevante que à época era na comunidade artística lisboeta e, por extensão, portuguesa. Esta afirmação provocou o meu espanto e, ainda que em ambiente tropicalizado, não deixei de questionar o relevante artista português e a eminente curadora sobre a pertinência e/ou validade deste tipo de afirmações que validam o tipo de teorias institucionalistas permeáveis ao exercício discricionário da publicação artística. A confirmação viria, na resposta, com o desaparecimento de cena desse artista apartado de Lisboa desde o momento em que decidiu abandonar a cidade.
Quando Danto parte para a reflexão do que é ou não arte da Brillo Box conclui que a arte é o que se inclui no “mundo da arte”. Desta noção de “mundo da arte” infere-se o estatuto da obra de arte a partir de um código de regras sociais mais do que propriamente artísticas. Nelson Goodman substitui esta questão - o que é a arte? – por uma outra de resolução menos polémica: quando é arte? Só dentro de uma linguagem comum, num sistema de signos lógicos e racionais e sem dissonâncias, se poderá pensar o objecto artístico. Uma outra forma de dizer outra vez, dentro do “art world”. A concepção de Danto adquire a maior pertinência quando propõe a impossibilidade da arte fora de uma atmosfera teórica: não pode haver arte sem uma teoria. Partindo da evidência de que uma teoria artística ou filosófica difere de uma científica pela impossibilidade da sua verificação empírica, torna-se então mais urgente o exercício crítico nestes domínios. Sobretudo em momento de profusão de meios e suportes em que a divulgação de arquitectura e imagens de arquitecturas é vertiginosa e a própria vontade crítica transpira pela web fora. E aqui estamos já a discutir, um segundo momento, o da validade da própria crítica e de como ela se poderá legitimar. E é por aqui que Nuno Grande, julgo, quererá ir: da necessidade de legitimação da própria crítica. Para que da crítica irradie a legitimidade do próprio objecto criticado. |
A miríade de meios de que hoje dispomos para fazer circular informação encerra o já muito falado perigo de não permitir a transformação dessa informação em conhecimento. A imagem e o texto de reprodução infinita como alçapão que nos prenderia para sempre num o quê impeditivo de nos fazer chegar ao como e ao porquê. Daí a pertinência de proposição de Nuno Grande: os blogs como plataforma de lançamento de opiniões, mera opiniões, infundadas ou, na maioria dos casos, fundadas em ressentimento, inveja, enfim, os blogs como uma ventoinha de lama. Mas pode ser esta afirmação uma defesa.
Tal como a blogosfera é excluída de qualquer escrutínio, as publicações, as revistas, os livros, ao passarem pelo crivo da edição, da selecção, do mercado, estão sujeitos a interesses vários. Se um blog ou um tweet pode ser um exercício narcísico, vago e vazio, quando não ressabiado, também se poderá dizer que as circunstâncias que rodeiam o meio editorial decorrem de interesses vários que respondem à voz do dono. À liberdade e autonomia que a web oferece pode-se contrapor as agendas que orientam as publicações em formatos tradicionais. Claro que este é um exercício especulativo que permite verificar as armadilhas que cada formato encerra. E tanto na web como nos meios tradicionais sobressai o mesmo problema: porquê a escolha deste objecto e não outro? – o que na paroquial realidade portuguesa nos conduz inevitavelmente aos mesmos nomes e objectos, repetidos à exaustão. Da necessidade e urgência da crítica, podemos distinguir diversos níveis. Cada instância terá o seu tempo, não se confundido com as possibilidades críticas dos outros meios contíguos. Se a academia é um exercício de adentramento em profundidade e prolongado no tempo sobre um objecto, a pertinência dos blogs, do facebook ou do tweet releva da capacidade de apontar pistas, pequenos rastos, que possam conduzir a uma outra profundidade. E há também a crítica em jornais generalistas, que, ao contrário da web e dos exercícios emanados da academia, não se restringirão a um público especializado ou iniciado. |
[Estado Crítico - À Deriva nas Cidades, Guilherme Wisnik, 2010]
Foi o acaso que me fez chegar Estado Crítico – À Deriva nas Cidades de Guilherme Wisnik, crítico da Folha de S. Paulo. A colectânea de ensaios que o autor foi publicando no jornal entre 2006 e 2007 e que abrange um conjunto alargado de temas, todos conduzidos por uma reflexão séria sobre a arquitectura e as cidades, entre experiência urbana brasileira e os temas que mais urgentes e pregnantes das discussões internacionais.
Se, por motivos óbvios, se destaca a crítica à condição das cidades brasileiras, sobretudo São Paulo, em ensaios que variam de tamanho e de forma, Guilherme Wisnik mostra atenção a todas as incidências culturais que tenham influenciado ou possam influenciar decisivamente a arquitectura e as cidades. Do teatro ao design, da música à literatura, numa linguagem facilmente entendível por não iniciados, num discurso informado e culto, inclusivo e sem categorias de alta e baixa cultura como obstáculos ou enclausuramentos, vocacionado para um público alargado, o autor oferece-nos um conjunto de textos exemplares que pela acuidade e pertinência críticas, por, necessariamente, alargar o horizonte do que é pensável no domínio das estruturas arquitectónicas e urbanas, os tornam pertinentes e necessários. |
Nenhum momento da experiência nos diz nada sobre o conhecimento do mundo que se possa extrair dessa experiência. A filosofia e a arte deixam o mundo como está, admitindo que a experiência é apenas experiência e não fonte de conhecimento da realidade. E daí talvez este sobressalto subitamente pessimista e melancólico do Verão passado.
Terminar pelo óbvio: a crítica só se dá no espaço público. Basta esta afirmação para legitimar a web, compreendida como espaço público, para legitimar a possibilidade de crítica no suporte digital. Esta ideia poderá contribuir também para a dissolução de uma outra que faz do texto o único suporte que permite elaborar a crítica. |