uma casa para Bartleby


Mudou o mundo o dia 11 de Setembro de 2001. Tinham sido destruídos dois edifícios altos, dos mais altos do mundo, do poder. E perguntámo-nos como teria sido possível a barbárie no portal da civilização. Perguntámo-nos o que fazer, no meio do fogo, do ódio, da angústia, do terror, da violência, do sangue, do betão partido, da incredulidade. O mundo mudou nesse dia. Provavelmente a vida mudou para umas centenas de pessoas. Mas o mundo não mudou nesse dia. Continuou o que é, na cadência da interminável violência, vingança, ressentimento. E talvez a pergunta acertada fosse – seja – antes o que não fazer. Pelo menos, desde que Adão foi expulso, com Eva, do jardim.

Uma hipótese a considerar é a história da arquitectura como a história da violência. Ou uma história de violência. Um abrigo é sempre uma defesa. Um ataque é sempre uma agressão no espaço. Projectar tem sido conotado, pelo menos nos discursos recentes mais mediatizados, como estratégia. Erigir um muro é exercitar o controlo sobre um território. Os homens, as instituições representam e revelam o poder pela altura dos muros que erguem. As Torres Gémeas eram muito altas. Eram o meio, media do poder do Império. A violência ocorre quando a nossa percepção da ordem do mundo é ferida ao limite da incompreensão. O encadeamento do real é abruptamente interrompido.
Também das origens da arquitectura se desconhece a razão. Apenas um desejo, já racionalizado de firmitas, utilitas, venustas. Uma e outra, arquitectura e violência, modos de vulnerabilidade e de poder. E do desejo.
Os V2 sobre Londres são a interrupção do habitar ou o ataque ao World Trade Center é uma crítica de arquitectura mas são, antes, operações, tentações, de dominância.

A inacção, que não se confunde com inércia, interromperá, na melhor das hipóteses, a lógica circular do desejo de poder, do alcance do poder que os outros detêm ou pretendem sobre um território ou um indivíduo. A inacção pode ser a recusa civilizada em alimentar a cadeia humana da conquista agressiva dos limites do outro. Ou talvez uma desesperada, última, tentativa em defesa de um limite, de um corpo, de uma casa, de um território, de uma cultura. Mas é uma conjectura frágil. Fenece frente ao milagre quotidiano do mundo. Por mais cinismo que se use. E pressupondo o cinismo como o acto defensivo, resguardo inconsciente de quem o pratica, fechamento da fronteira do eu com o mundo.

Para uma casa para Bartleby já Virilio terá feito a arqueologia: monólitos encerrados, vigilância implacável do horizonte, ruínas de cimento sobre a praia do mundo. O cerceamento voluntário à intrusão da luz e a escolha da recusa do clarão com que o real às vezes irrompe abrupto no quotidiano. Casa fantasma da memória do que é e do que, pela força da negação, não se permitirá ser. E também a rejeição do fulgor dos nomes. Nem a destruição nem a arquitectura escapam ilesas à violência da linguagem.  
Ah Bartleby! Ah Humanity!

Ocorreu-me isto a passar por aqui e por aqui.