o deserto do real


[Slavoj Žižek, 10.06.2010]





O preço da imperfeição é a margem da erótica em arquitectura. Pode ser. E, na economia da produção, desejar, alcançar a imperfeição, o rasto e o traço da acção humana é, por paradoxo, mais honeroso que pretender uma artificiosa - minimalista, kitsch -  perfeição. Verdade.

Os tempos são da dissimulação, quando não supressão, do humano: as casas, ‘caixas’, ‘pele’, ‘corpo’, a metáfora carnal e animal da arquitectura, a ‘house within a house’, a contradição e recuo do espaço público inundado pela domesticidade e banalização da vida privada e quotidiana tornada ‘acontecimento’ espectacularizável, matéria da ‘desterritorialização’, a mercantilização de tudo, do corpo, da alma, da arquitectura, na engenharia da globalização e da comunicação. São os tempos da ‘política da climatização’, da padronização e uniformização (e erradicação) da(s) cultura(s), a sanitarização da vida, como via do ‘alargamento dos mercados’. Com cooperação activa da arquitectura.






P.S. O terceiro espaço, Homi Bhabba:

Poderá ser uma questão de visibilidade. Ou uma questão de espaço. Ou é tudo isto uma questão cultural. Mas uma espécie de pânico invade esta Europa, adormecida pelos anos da prosperidade pós-guerra e que agora acorda, do sonho da paz perpétua para um pesadelo em que se vê incapaz de lidar com a diferença que foi acolhendo.
Ou poderá ser a ilusão do mundo binário. Da distinção radical do nós e do outro. Da incapacidade do relativismo em assimilar diversos contextos ao negar a necessidade de conflito, ou dos limites do universalismo para ler o mundo a partir de outros contextos.
De certa forma, falhámos porque fugimos ao conflito. Esquecemo-nos detraduzir, como requer W. Benjamin nas Illuminations. A tradução, que convoca a representação e a reprodução, dado que toda a cultura é actividade significante e simbólica, logo, ligando-se, de alguma maneira, todas as culturas umas às outras. Uma forma de imitação algo equívoca, mas operativa na fabricação de um outro modo cultural. A origem é sempre aberta a tradução, que é sempre incapaz de albergar a essência do original. Mas isto não é uma perda: é a origem de um outro novo.
De hibridismo, fala-nos Homi Bhabba. Da hipótese de um terceiro espaço. Não de um modo de reconhecimento de duas origens díspares, mas de um território onde o diferente poderá emergir. E o diferente é diferente do diverso – e é o entendimento desta diferença a fissura do nosso liberalismo dogmaticamente relativista.
A identificação - como analogia psicanalítica ao processo de identificação com o outro sujeito – é ela própria ambivalente, justamente pela intervenção desse outro. É aqui que se reconhece na proposta do hibridismo o potencial gerador do novo, do diferente, do irreconhecível, de um novo modo de representação.