mil sambas
[Blame it on Lisa, The Simpsons, 2002]
O estereótipo tem a vantagem de não exigir esforço ao pensamento. Numa sociedade em que a imagem têm um poder estrutural, com vantagem, rapidez e facilidade, se faz uso do estereótipo potenciado pelo poder da circulação infinita das imagens. A profusão de equívocos vai adquirindo substância de realidade.
O cinema, como produtor de sentido das relações espaciais, usa as relações intrínsecas entre o espaço e a sociedade, a paisagem e a identidade, ressignificando estas ideias, até com alcance geopolítico, dada a circulação das imagens. O Rio de Janeiro, por exemplo, como ícone, adquire o sentido genérico da brasilidade esvaziando-a na singularização do Cristo Redentor ou do Pão de Açúcar, da exuberância carnavalesca ou na sexualidade descontrolada.
O episódio dos Simpsons Blame it on Lisa faz uso da irradiação do clichet como ponto de vista de uma família de classe média americana. E nesse sentido pode ser a crítica ao estereótipo, que é o conhecimento, o ponto de vista, dessa família face a uma realidade concreta. Mas é tanto equívoco esse olhar na medida proporcional do erro que propaga. Tanto quando o incidente diplomático que à época quase gerou.
Cidade Maravilhosa cheia de cantos mil
Cidade Maravilhosa coração do meu Brasil
Cidade Maravilhosa cheia de cantos mil
Cidade Maravilhosa coração do meu Brasil
Berço do samba e das lindas canções
que vivem na alma da gente
és o altar dos nossos corações
que cantam alegremente
Jardim florido de amor e saudade
terra que a todos seduz
que Deus te cubra de felicidade
ninho de sonho e de luz
[Cidade Maravilhosa, André Filho, Aurora Miranda, 1935]
A obras de urbanização tuteladas por Pereira Passos no início do séc. XX, com vista a higienização da cidade e erradicação das favelas que já existiam, que toma como modelo a iluminada Paris da belle-epóque, introduz no imaginário popular a designação de Cidade Maravilhosa, por contraponto à cidade da morte assolada pelas epidemias. Simbolicamente paralela ao painel monumental que anuncia uma nova urbanização em Los Angeles – Hollywood – a expressão Cidade Maravilhosa adquire contornos de mantra de alcance internacional.
Desde o início do cinema que o Rio de Janeiro se torna uma poderosa fonte de iconografia e fantasia. Ideias e narrativas sobre o espaço que contradizem a própria realidade. James Bond aterra no Rio no Concord e a explosão da sexualidade, Ingrid Bergman e Cary Grant que se beijam numa varanda sobre Copacabana e a natureza da paisagem, Carmen Miranda e o exotismo tropical.
O meu pensamento voa
Me leva ao infinito
Vou girando meu compasso
Passo a régua e mudo o traço
Fazendo o Rio ficar mais bonito
Botei tudo abaixo (botei)
Levantei poeira (levantei) (bis)
Dei muita porrada (eu dei)
Taí o Rio que sonhei
O carioca...
Ah!... O carioca está contente
A alegria bailou no ar
Gozando de boa saúde, muda de atitude
O esporte já pode praticar
No jogo de bola (com muito prazer)
O banho de mar (se tornou lazer) (bis)
Fiz brilhar...
Pintei meu Rio com retrato de Paris
Com a cidade iluminada
O carioca tem a noite mais feliz
Mostrando ao mundo a riqueza nacional
Meu Rio agora é Belle Époque tropical
A burguesia me levou ao Teatro Municipal
Berço de boêmios seresteiros
Fervilham os bares do meu Rio de Janeiro
Amanheceu...
Amanheceu, floresceu um novo dia
Vou passear, extravasar minha alegria
De bem com a vida eu tô ô ô ô...
É lindo o meu carnaval
E hoje o Rio se tornou cartão postal
Lá vem a Ilha que vem
Toda gostosa também (bis)
Cantando o Rio, cidade maravilhosa
[Cidade Maravilhosa - Sonho de Pereira Passos, Roberto Szanieck, 1997]
A profusão das imagens é tão forte quanto são os próprios cariocas (o Zé Carioca como também ele arquetípico modo de se ser do Rio de Janeiro), que se confundem, e à sua história, com esta invenção audiovisual. Tornando-a realidade.
O turismo e a circulação destas imagens são o alimento da representação ‘do outro’ e de próprias auto-representações, via novelas da Globo e filmes como a Cidade de Deus. Só e experiência concreta poderá resolver os equívocos representativos que a produção das imagens e as relações polissémicas que delas resultam entre a cultura, a paisagem e o território. Se o(s) poder(es) não adulterarem simbolicamente as imagens, como preferem fazer na campanha promocional dos Jogos Olímpicos de 2016, através da manipulação e obliteração da realidade.
- | João Amaro Correia / 13.10.10
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