O fim de uma era

Os filmes são também lugares de respiração. Sobretudo numa época em que um filme já não é apenas um filme mas um arrazoado de efeitos digitais ou um fogo de artifício virtual, encontram-se, ainda assim, lugares de sensibilidade. E os melhores são, desde logo, aqueles onde não se passa nada.
Como na vida habitual das pessoas normais.

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Montado a partir do dispositivo road movie, o que é facto é que, além das breves horas que Kurt e Mark passam juntos, nada nos faz crer que esta seja uma viagem rumo a uma epifania da liberdade. E daí, talvez a liberdade maior e a mais autêntica, seja essas pequenas horas no meio da floresta, onde Kurt e Mark, que são também da paisagem, ensaiam uma verdade qualquer no que comunicam. E de regresso à cidade, a vida segue. Mark apreensivo quanto à iminente paternidade – e a voz da rádio lança ainda mais preocupação sobre o futuro -; Kurt, muito provavelmente enredado no seu próprio labirinto vedado à idade adulta.

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Como diz Mark a Kurt, a propósito do fecho da loja de discos em segunda-mão – são evidentes os sinais do fim: a decadente paisagem industrial americana, o abandono e a nostalgia que permanentemente nos interpelam, (tanto na relação dos dois amigos, como no mundo que os rodeia).
Um filme apenas possível à beira da crise, que eclodiu pouco tempo depois, em 2008. Que, de certo modo, antecipa, como a calmaria anterior à tempestade, o fim de uma era.


Old Joy | Kelly Reichardt | EUA / 2006