Perder-se também é caminho.*





PETER
Qual é o sentido do trilho?

JOHN WOLF
Não sei. Cada trilho conduz a mais do que um sentido.

PETER
E quanto tempo durará a travessia?

JOHN WOLF
Não sei. Tens de te perguntar primeiro quanto tempo levaste a chegar aqui.

[…]


PETER
Mas haverá muitos sítios sem casas… paisagens de travessia…

JACOB
O que diz o John Wolf é que a passagem de tudo, mês de um sopro de vento, deixa uma luz que lhe serve de mapa.

[…]

PETER
Desculpa, cheguei aqui passando por cima de rebentações e penhascos… Ouve isto: há um momento a partir do qual ninguém sabe mais se está a viajar ou simplesmente a fugir…


[…]

JACOB
Mas eu sinto-me preparado.

JOHN WOLF
É bom que o estejas.

PETER
Que preparação é essa? O que é que nos falta?

JOHN WOLF
A espera.

[…]

JOHN WOLF
Estás aqui, Jacob? Estás aqui, Peter?

PETER
Sim, procurando uma saída como te disse já.

JOHN WOLF
Quem não apaga a meta não vê nada do que está entre o início e o fim do caminho.

PETER
O quê?

JOHN WOLF
Quem apenas quer a meta não viaja.

PETER
Eu sou apenas um estranho à beira do bosque.

JOHN WOLF
Um dia os homens deixarão os aviões, os transatlânticos, os comboios de alta velocidade, os automóveis para regressar aos caminhos do bosque.

PETER
E o que oferecem aos homens esses caminhos? Por alguma razão foram abandonados.

JOHN WOLF
Preferimos os sacrifício mais absurdo. O progresso técnico, e só técnico… cada vez mais sofisticado. Mas em relação aos caminhos interiores não é assim…. Tem um coração e serás salvo.

[…]

PETER
Vemos o bosque, mas não vemos o trilho.

JOHN WOLF
O trilho já te viu a ti.



O Estado do Bosque, José Tolentino Mendonça, Teatro da Cornucópia





*Clarice Lispector