vendilhões do templo

[Igreja de Jesus, Rafael Moneo, San Sebastian, 2012]

E, aparentemente, no hemisfério norte e ocidental, há ainda por construir. Uma igreja, por acaso. De Rafael Moneo, por outro acaso – ou decisão da diocese de San Sebastian. E logo filiada na genealogia Siza/Ando, dizem.
Curiosamente em tempo de declínio do número de «fiéis» na outrora católica Espanha – que quando o não for (católica) de vez, deixará de o ser (Espanha), e já estivemos mais longe - a encomenda surge com um discurso, e um programa, por supuesto, à volta da comunidade, ao quotidiano, à vida.
Complexidades e contradições a gosto: se a um católico é estranho e antiético o discurso da abstracção, ah, a abstracção, pegar em Siza pela mão e excluí-lo do concreto, do real, não o é menos. E se a inclusão do supermercado no térreo do espaço sagrado sublinhará o carácter comunitário do templo e a presença deste no seio da comunidade, da vida de todos os dias, tanta parede branca, minimal way, quase apaga essa presença do espaço público. Espanha não é, ainda, França, e a presença de um crucifixo em público não será ainda um crime lesa sua majestade la republique, essoutra religião ateia. Onde está a cruz? Porquê tanta timidez? Porquê a vergonha do que se é e onde se é? Mais um europeu e pós-moderno exercício de desprezo de si mesmo? Aguardemos que os departamentos de studies da Av. De Berna se pronunciem.

A dificuldade moderna em erguer templos, pela óbvia razão de ser uma ideologia ateia, só encontra paralelo na bizarra dificuldade de grande parte da Igreja Católica em (re)encontrar uma estética que procure tornar sensível toda a beleza da Palavra. Sem recorrer ao kitsch reaccionário ou ao deslumbramento acrítico com o que dizem ser a vanguarda cultural.












[Santuário Theotokos, Ruy Ohtake, São Paulo, 2012]

Uns metros abaixo, o Pe. Pop Marcelo Rossi inaugura finalmente o seu desejado santuário. Nem nos detemos na perversão que é a teologia pop do dito, uma aberração para-evangélica que quase quase determina a escatologia da salvação ao aqui e ao agora, nem no quase culto da personalidade associado, e vamos directos à proposta de Ruy Ohtake, filho da Tomie.
Uma espécie de contra-relógio da fé. E por consequência da arquitectura. Size matters: da altura da cruz à largura do altar; da capacidade para 20.000 almas à distância à «estética tradicional do templos do catolicismo». Verdade. Se Deus está em todo o lado, também pode estar muito bem num armazém de mercadorias revestido a chapa ondulada. «Será um novo cartão-postal de São Paulo», entusiasma-se o sacerdote. «Uma construção para durar 700 anos.» Talvez com um pouco menos de orgulho se lembre da passagem da Escritura em que Cristo nos recorda do seu poder para destruir os templos dos salomões em três dias.


Se a Norte temos a timidez, que não humildade, e alguns equívocos estéticos que podem muito bem caracterizar a nossa época – e a relação que as nossas sociedades mantêm com o sagrado – a Sul, toda a nova ostentação e vaidade de quem se sente abençoado com um punhado de dólares mais. E esta ostentação é todo um programa, o único, diria, do que se vai construindo pelos emergentes: Brasil, China, Rússia, Dubai, o que interessa é o tamanho e o tamanho da auto-afirmação diante do mundo.