ah merda, morri#3

Há vinte anos Fredric Jameson partia dos debates internos da arquitectura para fundamentar a sua própria noção de pós-modernismo e da lógica cultural do capitalismo tardio. A crítica radical à profecia modernista, à época oferecida por correntes mais populistas – Venturi –, incidia essencialmente sobre o Estilo Internacional e a análise racionalista que tendia à objectividade radical. Se na instituição estética esta crítica apontava para a tendência modernista da transformação de um edifício numa escultura, pela objectividade racionalista, a consequência urbana seria a da destruição do tecido tradicional da cidades, com as suas formas arquitectónicas, sociais, relacionais, culturais, abruptamente rompidas pela autoritária disjunção modernista.
Os méritos evidentes desta proposta crítica encontram-se na democratização da arquitectura que a partir de então elide a fronteira entre alta e baixa cultura e incorpora em si elementos tanto do vernáculo e popular como de elite. Sem dúvida uma visão optimista, ainda contaminada pela prosperidade pós-guerra que, talvez hoje o possamos dizer, não terá sido uma ruptura tão decisiva como à época suporíamos. Ainda assim era a crítica ao espaço abstracto, cartesiano, do modernismo, esvaziado de realidade, ou antes, a uma espacialidade que compreende a totalidade dos corpos e a infinitude do vazio, como uma substância universal e homogénea.

Hoje, é neste espaço – totalitário - que o mercado imobiliário se alimenta. A globalização financeira cumpre o oráculo moderno. O espaço concreto, o espaço dos corpos, como uma topografia do dinheiro, é estruturado a partir desta realidade e compreende em si os paradoxos brutais consequentes: um banal gradeamento de alumínio separa o metro quadrado mais caro da América Latina da favela. É este espaço concreto que define e é definido pelo poder garantido pelo capital, tendo como a priori o significado universal desse mesmo capital.

A prática da arquitectura, como prática de um pensamento, pressupõe um decisivo momento e movimento crítico sobre a realidade. É uma acção sobre o espaço e o tempo onde se encontram os corpos e deflagram os eventos. Aí a atenção ao real é, ao contrário utopia cartesiana e moderna, a atenção à particularidade e à heterogeneidade. O grau de interdependências e possibilidades geradas pela globalização obriga a que essa atenção o seja em concordância também com o desejo cosmopolita e do redesenho permanente a que os limites e as fronteiras estão permanentemente sujeitos. E talvez seja ainda de uma infantil inocência acreditar que esse é um dos trabalhos da arquitectura.

Talvez o argumento seja esmagador, o dinheiro seja o senhor e o quadro de áreas o seu mensageiro. E tudo o que escape a esta razão económica tenha escassas razões para florescer nos abundantes amanhãs que cantam no mercado imobiliário.




Na realidade, nada construído. E também nada sacrificado para poder construir qualquer coisa. Nada, nada de nada. A arquitectura é outra coisa, outra construção para além da contrução. SOLNESS (olha para ela desanimado) Isso de construir casas para as pessoas não vale cinco cêntimos, HIlde.
HILDE E diz isso agora?