como estrelar um ovo numa villa do cinquecento?


[La Ragazza con la Valigia, Valerio Zurlini, 1960]

Onde há estrada, há uma casa no fim: o road movie é apenas um lapso de tempo, um entre, por mais definitivo e infindável. A viagem, como condição de permanência, é um lugar de condenação e de impossibilidade.
A arquitectura pretenderá a compreensão do seu tempo para nele intervir. A casa, um canto, o nosso bocado no mundo onde exercemos soberania – e a política da casa diverge da da polis - que se constitui na primeira realidade indentitária e relacional entre nós e o mundo. E a História. E uma casa, como uma possibilidade elementar de nos fixar - paradoxalmente numa fixação móvel - num horizonte histórico seja, talvez, uma ideia que vamos esquecendo. Talvez.
Talvez a trivialização e a banalização do quotidiano, a desritualização da vida de todos os dias, traga à memória um certo esquecimento, um remanso do viver. Tudo se torna liso, os dias sucedem-se iguais, fabricados à medida de cada um. Não é bom, nem mau, é o que é, e provavelmente é aqui, neste espaço que cada um se concede, que melhor se poderá fazer uso da liberdade individual que será, também, apesar de tudo, uma das conquistas da modernidade.
E talvez por isso, ao percorrer as villas de Palladio tenha sempre experimentado o sabor de alguma inutilidade daquela arquitectura, confundido na irremediável ignorância dum funcionalismo dissimulado e totalitário. Na imponderada contingência da nossa época, qualquer uma dessas villas parecer-nos-á tão vaga quanto a nossa incapacidade para as habitar.
Como estrelar um ovo numa villa do cinquecento?, ou namorar?, ou ouvir música?, ou dormir? Como suportaria uma dessas casas todas as necessidades e comodidades da modernidade?

Apenas até ter visto a Claudia Cardinale, de roupão, a descer a escadaria da Villa Tedeschi.