celle-là, je ne l’ai pas vue partir


[Un Prophète, Jacques Audiard, 2009]


Na realidade confinada, a tortura e o sofrimento, físicos e morais, a lógica da crueldade é a lógica da própria luta pelo poder. Porque é numa prisão ainda, sempre, lembramo-nos do Foucault e do dispositivo de poder em que se ergue, ainda mais, a arquitectura. Mas é só uma sociedade, uma amostra da sociedade, com a mesma mecânica de vigilância, de poder, de contra-poder, de confronto entre poderes, de toda a simbólica em redor da luta pela sobrevivência ou supremacia. Lá dentro quanto cá fora, pode ser Kafka o cameraman.
Uma sociedade, fechada, murada entre a crueza do método da repressão burocrático e o pequeno expediente quotidiano que lá dentro se reinventa. Uma sociedade onde é permitido a alguém, Malik, por exemplo, cumprir um trajecto iniciático – e consuma-se o ritual na última sequência, liberdade plena, à porta da prisão, no cortejo dos signos da maturidade adquirida na violência e no terror.
Mas é o espaço que importa.
Em português ser e estar são os verbos que importam ao espaço. É-se num espaço, também porque se está num espaço. Está-se na prisão e a prisão é, justamente, a inibição do ser. É o lugar onde apenas se pode – coercivamente – estar. A suspensão do ser, antiética do espaço que é, precisamente, o lugar da construção da liberdade. Antes, a liberdade constrói-se no exacto instante de encontro do corpo com o espaço. Espaço hierarquizado. Na prisão a hierarquia, a divisão do espaço, invenção para supressão o ser. E só depois desse encontro se ergue o lugar.
O impedimento primeiro do corpo-no-mundo é a grande violência da prisão.